Ben Barzilai
À tarde, fui nadar– 1997 – Ed. Barravento.
Israel
(1969)
Um romance sobre o fim do amor. Não o amor entre um homem e uma mulher, mas entre um homem e seus livros, a sua obra, a sua memória. O personagem Asher (e uma espécie de Ich-Erzähler), desiludido pelo insucesso do seu livro O habitante do riso, abandona a literatura. O livro dentro do livro trata do momento em que Rabelais escutou a risada cínica de Deus e escreveu o primeiro romance. “Vende-se este barraco, a morada do ser”. Assim começa O habitante do riso. O livro mal formado. O filho deficiente. As fortes críticas quase levam o escritor à loucura. Asher, velho e só, odeia o livro recém-publicado e passa a trabalhar como marceneiro em uma cidade que não tem o nome revelado. Lá ele vai encontrar um personagem que considera a fala e a eloquência os maiores dos dons. À tarde, fui nadar é um romance sobre a devastação da velhice e o rancor consigo mesmo, escrito em linguagem próxima à embriaguez dos apaixonados pela própria morte. O registro começa em primeira pessoa, passa para a falsa terceira pessoa e não desemboca em pessoa alguma. Vejamos um dos seus trechos finais: “O livro é uma carta sem destinatário. Na medida em que o seu destinatário é todas as pessoas, é nenhuma. E carta sem destinatário volta ao remetente, volta ao destino. O meu destino. O destinatário sou eu mesmo e Deus que, sendo tudo, não pode ser nada. Este livro, então é uma carta para mim mesmo e para Deus. É um acerto de contas, meu velho.”
Trechos:
“O livro – objeto mágico – como uma pintura rupestre. Era necessário que a minha memória morressse nele para que, de fato, morresse em mim. O livro nos vende a falsa ideia que é nossa memória, que poderíamos consultá-la à página cinquenta e nove, adiantar-nos aos trechos maçantes, fechá-la em capa de couro.” (Pág. 45)
“Há lembranças que comprimem toda a vida em um único ponto, um buraco negro que a tudo suga, e há as lembranças que são como um demônio escondido em uma nuvem a se rebolar, brincalhão.” (Pág. 72)
“Como nos criamos a nós mesmos? Cada lembrança é um demônio diferente na hierarquia infernal.” (Pág. 115)
“Comeram as migalhas de pão que o velhote deixou no caminho. A bruxa, porém, é bela.” (Pág. 166)
Tradução: Rodrigo Rosa Portella
Muito bom Berna.
Valeu, Teno. Abraço.
Mais um trabalho louvável de divulgação, Berna – do livro do Barzilai, e do trabalho do Rosa Portella, que publicou muitas traduções aqui pela Civilização Brasileira e pela Paz e Terra nos anos 70. Essa edição da Barravento é republicação da tradução que havia saído anteriormente, por uma dessas editoras mais antigas (ainda existem?), na mesma coleção em que saiu o Coisas, do Perec (que por sua vez foi traduzido pelo Teixeira Coelho, que tinha vinte anos na época).
Uma coisa pitoresca é que Barzilai morou um tempo no kibbutz Hulda, o mesmo onde morava Amós Oz.
É isso aí, A.M. Bem lembrado. Consta que no Hulda eles trocaram figurinhas sobre a literatura argentina, uma das predileções de Barzilai.
Lembrei de ter lido o RP declarando que o tradutor deve melhorar os originais. Apenas sei que esses trechos são muito bons mesmo.
Esse Portella se garante muto, Polli. Não sei hebraico para fazer um cotejo mas é o que leio por aí.
Outros livros do Ben Barzilai traduzidos por meu avô: País Movediço (Cultrix, 1968), Ibn Battuta, Provável Biografia (Cultrix, 1972), Shoshana Desiste (Terra e Paz, 1976).
Seu sítio honra nossa família.
É um prazer tê-lo aqui, Rodrigo. Volte sempre e agradeça ao seu avô pela dedicatória em Shoshana desiste. Clássico indelével.
“Shoshana desiste”.
Livro de cabeceira.
É verdade. Kelvin. Você comentou que havia gostado muito deste. Grande abraço.
Eu li o “Shoshana desiste” no original. Mas achei a linguagem muito afetada. O autor faz uso do hebraico arcaico de modo a demonstração erudição bíblica, mas fica meio forçado na boca dos personagens gays descolados de Tel Aviv. Não recomendo.
Eu li o “Shoshana desiste” no original. Mas achei a linguagem muito afetada. O autor faz uso do hebraico arcaico de modo a demonstrar erudição bíblica, mas fica meio forçado na boca dos personagens gays descolados de Tel Aviv. Não recomendo.
A afetação como projeto artístico literário.
Ele escreve parecido com o Tito Fernando. Apenas não usa bigode.
Meu deus!
Por Jah!